mais trágico que marlon brando.
falei que aquele era meu último cigarro. ela riu. um pouco de mim. conhecia já minhas mudanças de humor. gostava até. tirei uma foto sua. seu rosto tão bonito. queria congelar o tempo e a única artimanha que conheço pra tanto é a película. guardava o negativo em minha carteira. pequeno e certeiro. tinha seus contrastes. não me interessava a riqueza de detalhes. seus olhos mantinham-se intraduzíveis. um professor na infância dizia que olhos claros são difíceis. "prepara-te pra morrer se te apaixonas por um par deles". encontrei-o num bar quando estava com ela. tudo voltou. lembrei da história. sim, eu lembrei da história. "meu último cigarro". ela riu. não sabia mas tinha razão: não queria preparar-me pra morrer. o músico encerra a noite com um tango. eu, coração na goela, jogo meu maço fora. promessa de paraiso nenhum evitaria minha queda.
atravesso o quarteirão familiar carregado por uma ninha. tão nova. olhos claros. eu apaixonado. demerval, professor querido, reconheceu-me. olhou-a. sorriu. de mim um pouco. armadilhas que minha vida tece. "tá com o que? 30?" eu penso: filho da puta, como ousa?
sou eu o professor agora e trauma nenhum infligirei em meus alunos. sou eu mesmo rindo agora. um pouco de mim. minha vida parece um filme b. me sinto mais trágico que marlon brando.
3 comentários:
Que texto mais existencialista...bonito....mas uma beleza com muito desamparo e angústia.
Bravo!
Gostei da atmosfera, da densidade...
Gostei bastante.
sem perversão de minha parte, mas tão reconfortante ouvir que homens também trazem o coração na guela... geralmente, só ouço coisa igual dentro do consultório, onde eles têm a garantia de que nada vai sair dali. te imaginei lá em Buenos, com o tango, a niña e os olhos claros. também adorei a atmosfera que criou, ou viveu e reinventou (na hora, quase sempre, dói, né?). mas, não pude deixar de achar engraçada a sua indignação pelos 30... eles chegam, afinal...
bisou
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