Uma treva branca... Um mar de leite...
Podiamos ler Saramago apenas para observar uma forma diferente de encarar a gramática portuguesa, uma forma despojada de preconceitos da norma culta. Mas, Saramago vai além... traz nesse livro uma ótima história.
Lembram daquele ditado "Em terra de cego quem tem olho é rei"? Pois é, no caso deste livro, formulei o meu ditado popular: Em terra de cego, quem tem olho vê muita desgraça. Vê assim, a animalização e fragilidade do ser humano, sua essência violenta e amoral quando se encontra numa situação extrema, quando suas ações não poderão ser julgadas, pelo simples fato fictício de que ninguém estaria vendo os seus atos. Devido à perda de um sentido, mostrariamos todos os nossos instintos, e retornariamos a um tempo de remota formação social.
Alguns trechinhos para a degustação:
"Por que foi que cegámos, Não sei, talvez um dia se chegue a conhecer a razão, Queres que te diga o que penso, Diz, penso que não cegámos, penso que estamos cegos, Cegos que vêem, Cegos que, vendo, não vêem".
Estupro: "Uma fila grotesca de fêmeas malcheirosas, com as roupas imundas e andrajosas, parece impossível que a força animal do sexo seja assim tão poderosa, ao ponto de cegar o olfacto, que é o mais delicado dos sentidos, não faltam mesmo teólogos que afirmam, embora não por estas exactas palavras, que a maior dificuldade para chegar a viver razoavelmente no inferno é o cheiro que lá há".
Incêndio: "Evidentemente, muitos destes cegos estão a ser pisados, empurrados, esmurrados, é o efeito do pânico, um efeito natural, pode-se dizer, a natureza animal é mesmo assim, também a vegetal se comportaria de igual maneira se não tivesse todas aquelas raízes a prendê-la ao chão, e que bonito seria poder ver as árvores do bosque a fugir ao incêndio".