quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

"Os Improváveis"

Acabava de fazer um cálculo para confirmar uma conta do computador, embora nem fosse perfeccionista, gostava de levar um trabalho importante pra frente só com certeza de ter feito corretamente. O telefone toca, atendo enquanto levo o cd ao computador para gravar o trabalho, era Duda, dizendo-me da reunião da banda que seria lá em casa, na qual ela diria que estava dando o fora, e se eu não podia trazer um vinho para tomarmos depois que ela estivesse arrasada. Era curiosa a relação emocional que ela tinha com tudo aquilo, depositara muito de si naquelas letras angustiadas de adolescente sabida. O curioso era que agora não se sentia mais assim. Queria ser aquela garota até o fim, mas querer ser aquela garota já era um esforço que descaracterizava o mérito. Precisava dizer-lhes isso. Na cara. Como aquela garota faria caso crescesse. Não sabia ao certo o que dizer. Sabia que se machucaria e depois ficaria arrasada. Sabia que era inevitável. Os amigos da banda, na verdade apenas próximos como bons amigos deveriam ser, eram os dois rapazes esquisitos e as duas meninas bonitas. Chamavam-se “Os Improváveis”. Ela gostava muito do que chamava de influência sombria do som de Seatle, referindo-se ao som do nirvana misturado com o do Jimi Hendrix, mas que parecia mesmo com um Joy Division mais pesado. Assim que o back up é feito, levanto da minha mesa de trabalho, desço o prédio, ando na rua mais movimentada daquela cidade frenética, nem me reconhecia mais, entro na primeira loja e compro o vinho mais caro que a minha carteira podia comprar.
Já podia sentir seus olhos tristes abaixando enquanto confessava dores insuspeitas para mim, não queria ser abraçada enquanto dissesse, ela dizia que aquilo a continha e que era importante que a correnteza seguisse seu fluxo mais de descontrole que de razão. Expulsava tudo que a incomodasse, aquilo às vezes era uma sinceridade algo desconcertante. Mas acostumara-me à verdade desde cedo. Ela sentia uma espécie de culpa por não mais se sentir sincera com eles da banda. Dizia-me que algo nela mudara, embora não conseguisse ainda determinar, e aquilo que acabara de crescer, ou diminuir nela, agora era incompatível. Sentia-se, na verdade, mais improvável que nunca, era quase impossível.

domingo, 23 de dezembro de 2007

skip james, luther king, cartola, xangô, zeus, bakunin, papai noel e deus

Curioso ficar velho. Mais um ano passando. Algumas mudanças costumam ser tão belas e espontâneas que é uma covardia que as dividamos e organizemos em anos, emblemas diluídos de uma civilização não sadia, estandartes desarrumados por um vento sudeste. Dividimos nossa vivência tão rica de momentos sutis, e breves como respiração de bebê, em anos, moldes gastos que já não servem para dar forma a expectativas próprias de uma idade intermediária. “em 87 conheci Fábio”, “em 98 comecei a trabalhar”.

Uma mudança, dessas bem sutis e profundas, me ocorreu hoje. Permitam-me contá-la.

Passei a ouvir blues há duas semanas. Baixei uns cd’s pra ver qual era. Mas tive o cuidado e curiosidade de procurar pela origem, de onde surgiu, esse tipo de coisa. Pensei comigo: “já que não conheço, deixe-me trilhar meus próprios passos de reconhecimento”. Acabei tendo acesso a obras de dois grandes gênios desse estilo musical: Robert Johnson e Skip James. O primeiro ganhou notoriedade por, além de ser um exímio músico e compor belíssimas, mesmo, canções, por que teria vendido, numa das encruzilhadas paupérrimas do sul dos eua, sua alma ao diabo. Sim, a velha história do pacto. Não vou dizer que não acho interessante toda essa tragicidade em associar a criatividade com uma força destruidora. Nos nossos dias, devo admitir, meu maior ídolo de juventude foi Kurt Cobain. Mas enfim, o que quero dizer não é isso. O outro camarada, o Skip James, trabalhou naquelas porras parecidas com plantation, aquelas grandes plantações de algodão. Teve uma vida fudida, no sentido mais fudido do termo. E o cara cantava sobre deus de uma forma linda demais, triste demais, blues afinal de contas. Acho que lançou seu disco, olha, não sei ao certo a trajetória do cara, mas acho que no final de 1928. Logo depois, desgraça pouca é bobagem, os eua e o mundo são abalados pela Grande Crise de 1929. A maneira de Skip cantar prende na hora, você escuta e para de fazer o que tiver fazendo.

Mas me demorei demais tendo ainda muito o que dizer e já com o medo de soar cansativo.

Era sobre mudanças profundas que estava dizendo e é sobre elas que continuarei, paradoxalmente.

Tivemos um papo hoje, eu, Fábio, xandinha e juli. Estávamos falando sobre a resistência dos negros à segregação racial severa que existe nos eua, e que ainda era inimaginavelmente pior no começo e meio do século àquele ao qual pertencemos. Falamos sobre a proximidade da mitologia grega com a religião chamada afro – não tenho nada contra o termo macumba, só pra registrar. Sobre a possibilidade de existir alguma coisa dessas que chamam de superior. Saca o que quero dizer?

Eu pensei por um momento tão breve na associação do Skip James com aquele papo. Se tivesse sido o Skip James o cara a fazer sucesso lá nos longínquos 1928, o blues seria hoje, muito provavelmente, uma música cristã. Ou em outra palavras menos deterministas, uma música sem esse rótulo de música do cão que eventualmente vem à tona. O sucesso do Robert Johnson foi uma bifurcação que por acaso aquela música passou.

Mas todo texto que se preze deve ser escrito para passar uma idéia de algo. Acho que já disse tudo que tinha a dizer de modo que quem não entendeu até agora não precisa nem continuar. Essa idéia que não devemos escrever algo até que já esteja claro o queremos dizer é tão privativa de sentimentos como o fato de querermos e aceitarmos dividir nossas vidas em anos.

Pois as mudanças, essas continuam anárquicas como o próprio bakunin.

E a mudança que queria confessar, espero que os que me conheçam possam ter entendido.

sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

Personality Disorder Test

Paranoid: Very High
Schizoid: High
Schizotypal: High
Antisocial: Moderate
Borderline: Low
Histrionic: Low
Narcissistic: Moderate
Avoidant: Moderate
Dependent: High
Obsessive-Compulsive: High


como diria o lobão: é isso aí!

aqui

segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

o futuro é vortéx...caeiro e giga ainda serão presos...

half caeiro - tem uma galera que vive de madrugada, né?

| un logic - ?

half caeiro - até a galera que trabalha fica até essa hora na internet

| un logic | - eh

half caeiro - cara, isso é assustador. parte dessa galera vai mandar na gente amanhã. e isso não vai ser nada bom. o primeiro presidente da década de 2050 vai ser um recém adulto, fenômeno no msn...o cara vai ser eleito sem passar na tv...sem sair nos jornais...sem dar entrevistas ou participar de debates

un logic - caralho.

half caeiro - o cara vai fazer o que quiser

un logic - essa foi bizarra.

half caeiro - faz sentido ou não? é impossível de acontecer no brasil?

un logic - é possível...pior que é possível...

half caeiro - pior que possível, é provável... seria alguém exatamente como o bush, frio como uma navalha, inteligente como um caçador na selva, ligeiramente desprivilegiado intelectualmente e extremamente perigoso... um pivete com um treszoitão.

pretérito mais que perfeito

Ela posicionou-se entre o sofá e a grande almofada vermelha, a única coisa que levou pra casa da Cristina, esticou as pernas, com aquele roupão azulado de florzinhas prateadas, e em uma fração de segundos a música começa. Era em cd, ela programou para tocar as grandes participações que Coltrane fizera ainda como sideman. Com Duke, Monk, Milles Davis. Cristina importa-se um pouco. Tem um peculiaríssimo gosto. Gosta de Pink Floyd mas não suporta rock progressivo; o mesmo com o Clash, não suporta punk.

-sabe que acabei pegando essa mania dele
-de ouvir velharia?
-porra, tu é péssima.
-não diga.
-cara, esse som é muito adiantado pro tempo deles. O que essa rapaziada fez foi na década de 50, bem no comecinho.
-puta que pariu...pára...tá foda. Seguinte: liga pro cara. Vai tomar no cú.

Ela percebe por bem pouco uma falta de argumento, franze as sobrancelhas levemente, olha para os lados apenas com as retinas, caracteristicamente, e é salva por um fraseado de Monk em “Sweet & Lovely” que toca àquele instante. Esquece o que ia dizendo, deixando seu oponente sem ação.
A cabeça pende no braço do sofá, braços estirados, fecha os olhos, compenetradíssima, lembra naquele instante o quanto ficou admirada por saber que ele ouvia aqueles jazzes que o pai ouvia. Só agora entendera a grande influência freudiana do caralho o pai deixou em sua cabeça. Rí canto de boca. Pensa que, de verdade, todas aquelas vezes que o pai ouvia aquelas músicas, que pra ela eram chatas, estavam sendo enfim úteis. Pensa com bastante esforço na primeira impressão que teve quando o viu: o jeito de andar. Pergunta-se pela primeira vez se reconhecia a maneira do pai andar. Faz que não com a cabeça como se para ter a certeza da resposta. Acha que é a mesma maneira. Fica chateada de alguma maneira. Era como se admitisse a muito custo uma verdade incontestável.

-quer chá?

Cristina pergunta com alguma boa intenção, interrompendo o fluxo de pensamentos que Duda já aprendia a gostar.
Duda pensa que na primeira oportunidade vai mudar-se pra casa da mãe novamente. Lá pelo menos as portas fechavam e as suas imagens representavam “não perturbe”.

sábado, 15 de dezembro de 2007

é preciso imaginar sísifo feliz...

"Deixo Sísifo no sopé da montanha! Encontramos sempre o nosso fardo. Mas Sísifo ensina a fidelidade superior que nega os deuses e levanta os rochedos. Ele também julga que tudo está bem. Esse universo enfim, sem dono, não lhe parece estéril nem fútil. Cada grão dessa pedra, cada estilhaço mineral dessa montanha cheia de noite, forma por si só um mundo. A própria luta para atingir os píncaros basta para encher um coração de homem. É preciso imaginar Sísifo feliz."

Albert Camus, O míto de Sísifo

quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

É Assim Que Me Querem

o ira! é (era) uma das bandas mais bacanas na safra lá dos 80. conta com um guitarrista com uma técnica única (scandurra), acho que é o único guitarrista que consigo identificar tocando qualquer coisa. tem uma cozinha competente, com um ótimo baixista e batera. e tem um vocal que, embora não seja tudo isso e termos de técnica, tem uma personalidade e caráter próprios.
acabou a banda, uma grande pena.
eles têm uma particularíssima influência do clash, dos pistols, mas, acima de tudo dos jams.
essa letra é uma das minhas preferidas.



Estou sonhando de olhos abertos
Estou fugindo da realidade
Todas as cervejas já bebi
Todos os baseados já fumei
O que há de errado no mundo
Meus olhos já não podem ver
Eu estou do jeito certo
Pra qualquer compromisso assumir

É assim que me querem
Sem que possa pensar
Sem que possa lutar
Por um ideal
É assim que me querem
Ao ver na TV todo o sangue jorrar
E ainda aprovar
A pena capital
A pena capital

É assim que me querem
É assim que me querem

E me vendem essa droga
E me proibem essa droga
Para os desavisados poderem pensar que o governo combate
Invadindo a favela
Empunhando fuzis
Juntando dinheiro corrupto para a platina no nariz

É assim que me querem

quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

isso é apenas nosso mundo cão.

"Os americanos estão sempre tentando fazer a coisa certa após terem tentado todas as outras alternativas."

(Winston Churchill, político inglês)

segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

Olá

Quem é vivo sempre aparece...tenho andado distraído com coisas sem importância...rss
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Gigante, pra minha sorte, no meu trabalho não tem nenhuma funcionária francesa. Sorte mesmo, pois sou meio antipático com a França: não gosto da música, não gosto do futebol, não gosto das mulheres, não gosto de champagne, enfim...eles não tomam muito banho, e como diria Veríssimo, não acho certo levar a sério um país com mais de 360 tipos de queijo.

Mas do novo emprego tenho uma história engraçada, não de franceses, mas de um chileno. Num restaurante caro do centro do Rio, o cara coloca a comida no prato cheio de medo. Olha isso, olha aquilo, pergunta se tem pimenta...no final o prato é só arroz, batata-frita, ovo cozido e frango. Quando o garçon pergunta se quer bebida, responde "Coca-cola" com o alívio de enfim ter algo de sabor já conhecido. Na hora de pagar, fica surpreso ao conhecer a expressão "comida a quilo".

Mas antes de ir embora, sai uma pergunta em tom de desabafo: "Que porcaria é essa de mama papaia?"

quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

continuação de nada

Aproximamos o nosso colchão das caixas de som, no canto esquerdo da sala, gostávamos de sentir a vibração sonora quando estávamos chapados. Ela reclamava da minha falta de interesse em melhorar de vida antes. Agora, aproveitava cada centímetro daquele cômodo pequeno, pago com alguma facilidade. Tivemos o azar de ter uma igreja construída num cubículo, próximo à nossa casa. E os cultos, ou seja lá como chamam aquilo, sempre coincidiam com a nossa entrega às substâncias vadias. De modo que, querendo ou não, compartilhávamos da ladainha e das músicas. E aquele som limitado, técnica e humanamente, nos incomodava profundamente. Mas incomodava muito mais à Duda, música aspirante, que não suportava aquela guitarra desafinada tão insistentemente tocada. Eu sabia, cá comigo, que cedo ou tarde, alguma a Duda aprontaria. Numa vez decidiu fumar um baseado na janela de casa, tive que ir correndo fechá-la. Noutra, muito mais engraçada, estávamos saindo de casa, não agüentávamos mais tanta falta de recursos musicais e, é claro, talento e semancol, ela entra no cubículo, cumprimenta a todos os presentes, vai até o rapaz da guitarra:

-posso?

Estendendo a mão para a guitarra, pedindo-a. O rapaz olha pra ela, sei lá o que passou na cabeça do cara, olha em volta, para o pastor, para a menina que, acredito, era apaixonado, e passa a guitarra para ela. Ela, com poucos toques nas cordas, afina o instrumento e, para se certificar da afinação, toca a introdução de “Given to Fly”, do Pearl Jam.

-pronto! Tá afinada...

Entrega a guitarra para o rapaz, que a pega meio constrangido. Duda, muito séria, sai da igreja, fazendo um sinal para que eu a seguisse, passa por todos, repete a cumprimenta, e já na saída, se desmancha de rir. Eu atônito ainda, mal podendo acreditar no que acabara de ver.
Um dos membros da igreja vem atrás de nós e repete o gasto jargão, supostamente sedutor, de todo crente: “deus tem um plano em sua vida”. Duda responde, muito calma e educada:

-tudo bem, mas que eu não reclamaria nem um pouco se ele tivesse um plano para vocês afinarem a porra da guitarra quando fossem tocá-la.


O cara arregala os olhos, dá as costas e entra na igreja cubículo novamente.