quarta-feira, 10 de janeiro de 2007

Livro de José Saramago: Ensaio sobre a cegueira

Uma treva branca... Um mar de leite...

Podiamos ler Saramago apenas para observar uma forma diferente de encarar a gramática portuguesa, uma forma despojada de preconceitos da norma culta. Mas, Saramago vai além... traz nesse livro uma ótima história.
Lembram daquele ditado "Em terra de cego quem tem olho é rei"? Pois é, no caso deste livro, formulei o meu ditado popular: Em terra de cego, quem tem olho vê muita desgraça. Vê assim, a animalização e fragilidade do ser humano, sua essência violenta e amoral quando se encontra numa situação extrema, quando suas ações não poderão ser julgadas, pelo simples fato fictício de que ninguém estaria vendo os seus atos. Devido à perda de um sentido, mostrariamos todos os nossos instintos, e retornariamos a um tempo de remota formação social.
Alguns trechinhos para a degustação:
"Por que foi que cegámos, Não sei, talvez um dia se chegue a conhecer a razão, Queres que te diga o que penso, Diz, penso que não cegámos, penso que estamos cegos, Cegos que vêem, Cegos que, vendo, não vêem".
Estupro: "Uma fila grotesca de fêmeas malcheirosas, com as roupas imundas e andrajosas, parece impossível que a força animal do sexo seja assim tão poderosa, ao ponto de cegar o olfacto, que é o mais delicado dos sentidos, não faltam mesmo teólogos que afirmam, embora não por estas exactas palavras, que a maior dificuldade para chegar a viver razoavelmente no inferno é o cheiro que lá há".
Incêndio: "Evidentemente, muitos destes cegos estão a ser pisados, empurrados, esmurrados, é o efeito do pânico, um efeito natural, pode-se dizer, a natureza animal é mesmo assim, também a vegetal se comportaria de igual maneira se não tivesse todas aquelas raízes a prendê-la ao chão, e que bonito seria poder ver as árvores do bosque a fugir ao incêndio".

2 comentários:

Anônimo disse...

Nossa... Pelo que escreveu vi que gostou do livro... Recomendação do mano... Como você sabe não me aprofundei no estudo da gramática, mas me deliciei com a história... Muito bom... Podia ter um livro... Mas e ai!?... Qual a sua interpretação para o fato da perda da visão dos personagens?

Athena disse...

É preciso cegar para pensar na brutalidade humana, que berra aos olhos de todos? É este o questionamento: estamos cegos, com nossos olhos sem doença, quando passamos incólumes pelas desgraças da sociedade, quando nos acomodamos ao caos e a míséria física e da alma que nos afoga diariamente.
Vivemos, sim, numa cegueira que nos imobiliza a ação. O preço que pagamos por nossa opção(ou falta de opção)são os ônibus queimados, o medo e o pavor de sair às ruas, a bulimia e a anorexia de nossos corpos estéreis e brancos.
Eu queria, realmente, que todos padecessem da cegueira branca. Talvez seja por isso que eu ame tanto a literatura.