skip james, luther king, cartola, xangô, zeus, bakunin, papai noel e deus
Curioso ficar velho. Mais um ano passando. Algumas mudanças costumam ser tão belas e espontâneas que é uma covardia que as dividamos e organizemos em anos, emblemas diluídos de uma civilização não sadia, estandartes desarrumados por um vento sudeste. Dividimos nossa vivência tão rica de momentos sutis, e breves como respiração de bebê, em anos, moldes gastos que já não servem para dar forma a expectativas próprias de uma idade intermediária. “em 87 conheci Fábio”, “em 98 comecei a trabalhar”.
Uma mudança, dessas bem sutis e profundas, me ocorreu hoje. Permitam-me contá-la.
Passei a ouvir blues há duas semanas. Baixei uns cd’s pra ver qual era. Mas tive o cuidado e curiosidade de procurar pela origem, de onde surgiu, esse tipo de coisa. Pensei comigo: “já que não conheço, deixe-me trilhar meus próprios passos de reconhecimento”. Acabei tendo acesso a obras de dois grandes gênios desse estilo musical: Robert Johnson e Skip James. O primeiro ganhou notoriedade por, além de ser um exímio músico e compor belíssimas, mesmo, canções, por que teria vendido, numa das encruzilhadas paupérrimas do sul dos eua, sua alma ao diabo. Sim, a velha história do pacto. Não vou dizer que não acho interessante toda essa tragicidade em associar a criatividade com uma força destruidora. Nos nossos dias, devo admitir, meu maior ídolo de juventude foi Kurt Cobain. Mas enfim, o que quero dizer não é isso. O outro camarada, o Skip James, trabalhou naquelas porras parecidas com plantation, aquelas grandes plantações de algodão. Teve uma vida fudida, no sentido mais fudido do termo. E o cara cantava sobre deus de uma forma linda demais, triste demais, blues afinal de contas. Acho que lançou seu disco, olha, não sei ao certo a trajetória do cara, mas acho que no final de 1928. Logo depois, desgraça pouca é bobagem, os eua e o mundo são abalados pela Grande Crise de 1929. A maneira de Skip cantar prende na hora, você escuta e para de fazer o que tiver fazendo.
Mas me demorei demais tendo ainda muito o que dizer e já com o medo de soar cansativo.
Era sobre mudanças profundas que estava dizendo e é sobre elas que continuarei, paradoxalmente.
Tivemos um papo hoje, eu, Fábio, xandinha e juli. Estávamos falando sobre a resistência dos negros à segregação racial severa que existe nos eua, e que ainda era inimaginavelmente pior no começo e meio do século àquele ao qual pertencemos. Falamos sobre a proximidade da mitologia grega com a religião chamada afro – não tenho nada contra o termo macumba, só pra registrar. Sobre a possibilidade de existir alguma coisa dessas que chamam de superior. Saca o que quero dizer?
Eu pensei por um momento tão breve na associação do Skip James com aquele papo. Se tivesse sido o Skip James o cara a fazer sucesso lá nos longínquos 1928, o blues seria hoje, muito provavelmente, uma música cristã. Ou em outra palavras menos deterministas, uma música sem esse rótulo de música do cão que eventualmente vem à tona. O sucesso do Robert Johnson foi uma bifurcação que por acaso aquela música passou.
Mas todo texto que se preze deve ser escrito para passar uma idéia de algo. Acho que já disse tudo que tinha a dizer de modo que quem não entendeu até agora não precisa nem continuar. Essa idéia que não devemos escrever algo até que já esteja claro o queremos dizer é tão privativa de sentimentos como o fato de querermos e aceitarmos dividir nossas vidas em anos.
Pois as mudanças, essas continuam anárquicas como o próprio bakunin.
E a mudança que queria confessar, espero que os que me conheçam possam ter entendido.
4 comentários:
Ahhh ... entendi ! O capeta teve na sua casa ...
rsrsr
Brincadeiras a parte ...
Desde que te conheci, observei-te sua alma blue, me espanta que você só tenha despertado para isso agora; meio Skip, meio Johnson. Caeiro ?
Em todo caso, as tentativas míticas de entendimento do mundo são bem irmãs, acho inclusive que até as não míticas também, como o Bakunin.
E, ao fim e ao cabo, sempre achei Cronos um deus chato !
tu virou viado né?
é..pois é, desisti de resistir aos seus encantos mágicos e apelos desesperados, meu amor...
Postar um comentário