pretérito mais que perfeito
Ela posicionou-se entre o sofá e a grande almofada vermelha, a única coisa que levou pra casa da Cristina, esticou as pernas, com aquele roupão azulado de florzinhas prateadas, e em uma fração de segundos a música começa. Era em cd, ela programou para tocar as grandes participações que Coltrane fizera ainda como sideman. Com Duke, Monk, Milles Davis. Cristina importa-se um pouco. Tem um peculiaríssimo gosto. Gosta de Pink Floyd mas não suporta rock progressivo; o mesmo com o Clash, não suporta punk.
-sabe que acabei pegando essa mania dele
-de ouvir velharia?
-porra, tu é péssima.
-não diga.
-cara, esse som é muito adiantado pro tempo deles. O que essa rapaziada fez foi na década de 50, bem no comecinho.
-puta que pariu...pára...tá foda. Seguinte: liga pro cara. Vai tomar no cú.
Ela percebe por bem pouco uma falta de argumento, franze as sobrancelhas levemente, olha para os lados apenas com as retinas, caracteristicamente, e é salva por um fraseado de Monk em “Sweet & Lovely” que toca àquele instante. Esquece o que ia dizendo, deixando seu oponente sem ação.
A cabeça pende no braço do sofá, braços estirados, fecha os olhos, compenetradíssima, lembra naquele instante o quanto ficou admirada por saber que ele ouvia aqueles jazzes que o pai ouvia. Só agora entendera a grande influência freudiana do caralho o pai deixou em sua cabeça. Rí canto de boca. Pensa que, de verdade, todas aquelas vezes que o pai ouvia aquelas músicas, que pra ela eram chatas, estavam sendo enfim úteis. Pensa com bastante esforço na primeira impressão que teve quando o viu: o jeito de andar. Pergunta-se pela primeira vez se reconhecia a maneira do pai andar. Faz que não com a cabeça como se para ter a certeza da resposta. Acha que é a mesma maneira. Fica chateada de alguma maneira. Era como se admitisse a muito custo uma verdade incontestável.
-quer chá?
Cristina pergunta com alguma boa intenção, interrompendo o fluxo de pensamentos que Duda já aprendia a gostar.
Duda pensa que na primeira oportunidade vai mudar-se pra casa da mãe novamente. Lá pelo menos as portas fechavam e as suas imagens representavam “não perturbe”.
Um comentário:
Caeiro e suas musas ... Mas sinto que estão mudando o perfil ...
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